Tecnologia pela tecnologia: uma visão muito tática

Nos dias que correm, quando ouvimos falar de transformação digital, é comum sermos bombardeados com buzzwords e tendências tecnológicas, como IoT (Internet of Things), IA (Inteligência Artificial), ou até RPA (Automação Robótica de Processos). Esquecemo-nos é que, com frequência, a parte mais desafiante não é o digital (nem a tecnologia), é sim a transformação. Esta requer muito mais do que investimentos em sistemas de informação.

Centrarmo-nos numa arquitetura de TI escalável, numa app ou num chatbot, é ter uma visão muito tática (e redutora) de como preparar a empresa para um mundo VUCA (Volatile, Uncertain, Complex, Ambiguous), em que a única certeza que temos, é que a incerteza está em toda a parte. É por isso fulcral delinear um programa de transformação digital a nível estratégico, e dotá-lo de várias componentes decisivas, complementares à tecnologia.

Cultura e pessoas: o motor da transformação

Transformar uma empresa passa por transformar a sua cultura, garantindo a assimilação de novos processos, metodologias, ferramentas e princípios. É uma missão especialmente difícil, mas é fundamental que seja bem executada. Um programa de transformação digital não pode ser bem-sucedido sem garantir um alinhamento e um sentimento de pertença dos colaboradores, uma comunicação fluida, assertiva e inspiradora aos vários níveis da organização.

Por outro lado, aproveitar o contexto de mudança para upskilling e reskilling é um must, potenciando o incremento dos níveis de motivação organizacional, enquanto se mitiga a competição por talento no mercado. Não menos importante é o employer branding: atrair novos talentos digitais, com um mindset de crescimento e capacidade de adaptação é preparar o futuro.

Processos: cliente e dados têm que estar no centro

O principal objetivo de um programa de transformação tem que ser maximizar a experiência e valor para os clientes. Por isso, é essencial colocá-los no centro de todas as iniciativas. Tal pode passar por (mas não se limitar a) utilizar técnicas holísticas de human-centered service design na conceção de produtos e serviços, cocriando soluções com os clientes e incorporando continuamente o seu feedback, de forma a responder às suas expetativas ao longo de diversos touch points digitais e físicos.

Associando estas abordagens a metodologias de entrega ágeis, suportadas em ferramentas colaborativas e digitais, e garantindo a tomada de decisão com base em dados (e não só na intuição), a organização transforma-se, dia a dia, from front to back, o que maximiza as probabilidades de sucesso do programa de transformação digital.

Foco, transparência e gestão de expetativas: tantas vezes esquecidos mas tão importantes

Além da cultura, pessoas, processos, metodologias e ferramentas, a meu ver existem pelo menos três outros fatores críticos de sucesso muitas vezes esquecidos, especialmente em contextos VUCA:

1) Foco – garantir uma definição clara de objetivos e prioridades, ao mesmo tempo que se limita o WIP (Work In Progress); é tentador paralelizar demasiado, mas o risco de não-entrega aumenta exponencialmente, pelo que há que saber dizer não, ou pelo menos, não agora;

2) Gestão de expetativas – é absolutamente crítico conciliar o curto e o longo prazo, gerindo constantemente prós e contras; para tal importa entregar valor cedo, por via de quickwins e MVP (Minimum Viable Products), mas também garantir que as soluções estruturais asseguram um futuro sustentado a longo prazo;

3) Transparência – atuar com elevados padrões de integridade e frontalidade na comunicação cria capital de confiança e permite feedback honesto e construtivo.

Por fim, realçar que também o sponsorship incondicional por parte do top management, bem como um governance sólido que promova interações ágeis (e digitais) e uma execução pragmática da estratégia por parte de equipas multidisciplinares orientadas a valor, devem ser pedras basilares de um programa de transformação digital de excelência num contexto VUCA.